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terça-feira, 1 de setembro de 2009

O Universo de um instante - capítulo 6


Conversa Fora
1

"Junho pode ser outro mês com chuva abaixo da méd..."
"Cada vez menos oportunidades de empreg..."
"Dupla Gre-Nal tropeça mas..."

Rapidamente, seu Teófil folhava um jornal enquanto relaxava sentado em um dos bancos de uma pequena praça no centro de Porto Alegre. Seus olhos idosos e cansados o impediam de utilizar uma leitura dinâmica, e tambem de ser capaz de ler sem seus costumeiros óculos que descançavam na ponta de seu nariz avantajado.

- Hum... onde está? - Falava consigo mesmo.

"Morre Paulo Sant...."
"Uruguaiana produz 500% mais lei..."

- Aqui. Aqui está. - Seu Teófil se excita ao achar a notícia que vinha procurando. Antes de ler o título já a reconhecera pois era a única da sessão Geral que possuía números aleatórios em verdana simples em bolinhas mal desenhadas. A notícia dizia: "Confira os números da loteria".
De sua camisa xadrez, desbotada pelo tempo e querida pelo mesmo motivo, ele retira um pequeno pedaço de papel rasgado e amassado. Eram os números de seu bilhete que ele guardara com muita ansiedade no bolso mais perto do coração. Seu Teófil jogava na loteria a tanto tempo que nem mesmo ele sabia dizer quando começou, mas sempre afirmava que, mesmo sem ganhar, era uma das poucas emoções de sua vida.
-"Tu jogas nessa loteria sabe-se lá há quanto tempo, Teófil, e nunca ganhou. Quando tu vais perceber que é mais fácil um raio atingir duas vezes o mesmo lugar do que ganhar nessa armadilha?" - Disse ele imitando comicamente sua esposa que no fundo sabia que sem essa loteria ele seria outra pessoa. - Bem, dessa vez, eu ganho. Estou com um pressentimento muito bom.
A cada número que ele lia, ele conferia em seu papel surrado e repetia em voz alta. De tanta excitação chegava a conferir mais de três vezes.
- Dezenove..... dezenove....... dezenove...... dezenove, oh meu Deus do céu, dezenove...

A loteria de Porto Alegre era composta por doze números, e cederia um prêmio de 20,000 reais ao vencedor que acertasse todos os números sozinho. Teófil avançava alegremente para o nono número seguido que constava no jornal e no seu papel. Tremia agora. Sonoras palpitações em seu peito.

- Vinte e sete.... hum..... SIM, vinte e sete. Faltam só dois, vamos lá queridinha.

Quando destinava sua visão ao próximo e décimo primeiro número (que depois ele ficaria sabendo que acertou), uma corrente de vento tomou o bilhete de loteria de suas mãos, como se um garoto invisível tivesse pego as folhas impressas e depois corrido em direção ao céu. Foi um fato no mínimo estranho pois não estava ventando naquele momento. Seu Teófil, cujas pernas incapacitavam-no de correr atrás (e abaixo) daquele pedaço rasgado de folha de papel reciclado, olhava atônito para cima enquanto o pequeno papel parecia não descer sequer um pouco, até que ele saiu de vista. O senhor voltou a sentar no banco, muito chateado. Ficou tão deprimido que chegou a prometer a si mesmo que nunca mais jogaria na loteria, o que o trouxe uma grande tristeza.

- Tantos anos a fio, jogando os mesmo números... e me acontece isso. Será que eu merecia? - Comentou com seus botões.
- Oi - Uma menina se aproximou, e sem Teófil ver ela estava sentada no banco ao seu lado.
- ... Agora que eu ia provar pra minha esposa que eu podia ganhar...
- Moço... Senhor... ahn... Tio, ei, OI! Tio. - A menina chamava mas ele estava perdido em seus pensamentos - TIOOO! - A menina gritou, causando um susto no senhor a sua frente. Teófilo deu um salto do banco e olhou para ela aterrorizado.
- Que falta de educação assustar um idoso guria!
- Desculpa, eu não fiz por mal. Mas o senhor não me ouvia. - Ele deixou de ficar brabo quando percebeu que ela não fez por mal.
- Está tudo bem. Mas por que me chamaste?
- Bem, eu gostaria de saber se o senhor não viu um homem negro, um pouco maior que o senhor, com uma cicatriz na orelha direita. Ele é meu pai e eu o estou procurando.

Teófilo, que de fato viu o pai da menina várias vezes, não conseguia se lembrar de onde. Mais de uma vez Antônio entrara no bar Versálias para roubar bebida. Teófilo o conhecia como mendigo, mas na hora não assimilou que ele pudesse ser pai de uma menina bem vestida e educada.

- Hum, eu tenho a impressão de que conheço alguem assim. Qual é o nome dele?
- Antônio
- Devo estar enganado, não conheço nenhum Antônio. Me desculpe não poder te ajudar.
- Ah, não tem problema - Alice não queria confessar que estava perdida, pois era forte e gostava de ter que se virar sozinha, mas não poderia deixar de admitir que estava com fome, quando soou um alto ruído proveniente de seu estômago, como se fosse uma corneta anunciando o começo de uma guerra contra a falta de um café da manha decente. Envergonhada, colocou a mão na barriga e se virou para ir embora.
- Mandonga! - Respondeu o senhor
- O quê?
- Eu nunca ouvi um barítono com tamanha extensão - Teófilo comentou na tentativa de expressar seu bom humor que estivera voltando desde que conheceu a menina. Durante esse pouquíssimo tempo, se alegrou o suficiente pra poder esquecer o bilhete de loteria.
- Desculpe, eu não entendi.
- Escuta menina, eu tenho um amigo que é dono daquele bar ali na esquina. Você não quer ir ali tomar um café e comer um pedaço de bolo?
- SIM! - A menina respondeu com um entusiasmo contagiante.

2
Depois de mais de uma hora conversando sobre coisas banais como escola, namoro e, é claro, o sumiço de seu pai, Alice percebeu que tinha arranjado um amigo. Em uma certa altura da conversa ela sentiu a liberdade para perguntar por que ele estava divagando no banco quando ela chegou, que ele nem percebeu que ela estava ali.
- Ah, tinha me esquecido disso já.
- Do que? - Perguntou a jovem
- Bem, eu jogo na loteria, já faz muito tempo. Hoje de tarde eu estava conferindo os números, e tinha acertado todos, menos dois, que eu não vi, por que o meu bilhete com os números em que apostei voou, e se aquele bilhete é o premiado, eu perdi bastante dinheiro. - Em seu rosto assolou uma expressão de tristeza.
- Hum... Me diz uma coisa. Esse bilhete, era um papel reciclado meio rasgado e cheio de numerozinhos?
- Como sabe disso? - Ele arregalou os olhos. E mais espantado ainda, quando a garota tirou do bolso da saia que vestia um papel rasgado. O mesmo papel que ele tinha guardado, coincidentemente no mesmo bolso de sua camisa.

O bolso do coração.

texto de Robson "Meteoro" Rodrigues/ CONTINUA...


2 comentários:

  1. Querido amigo avassalador... este blog é novo? e o outro continua? espero que sim...
    Gosto de narrativas, quanto mais detalhes mais delicioso imaginar os personagens e lugares... dá pra sentir até o cheirinho Tri legal !

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